Dor

Ontem à noite
acordei duas vezes
com o dente latejando
(de fato escrevo porque
começou agora
de novo).
A dor, muito estranha.
Só posso descrever como
esmalte cintilante, ou como dois
baby dolls de seda que tive,
os únicos — minha vó me deu
(mas eu prefiro algodão).
Nunca tive dor assim,
mesmo —
assim — nunca.
Todas outras dores passadas
foram dores enlameadas,
embaçadas sempre, nem isso nem aquilo,
disfarçadas — eu própria tinha
que enfiar o dedo aqui e ali
até, ah, aqui, é aqui que dói,
doutor.
Essa não.
Clara, uma exatidão, não deixou dúvida:
não parecia que ia doer — d-o-í-a!
sem fingimento, uma classe mesmo —
essa dor de dente que tive ontem à noite.